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 Retrovisor (15/02/97)
Trinta anos com Peter Handke
Celeste ­da Galeao Peter Handke e o autor contemporaneo vivo de li­ngua alema mais traduzido no Brasil: A mulher canhota, Breve carta para um longo adeus, A repeticao, A ausencia, Historia de uma infancia, Kaspar, O menor quer ser tutor, Insulto ao publico, justificando-se assim essas consideracoes sobre ele e seu primeiro romance, Die Hornissen (Os Vespoes), que este ano completa trinta anos, e sobre sua ultima obra Gerechtigkeit fuer Serbien (Justica para a Servia), publicada este ano. Os cri­ticos divergem por vezes frontalmente na apreciacao de cada uma de suas mais de trinta obras, sendo Handke por isso o autor de li­ngua alema mais controverso da atualidade. Literatura alema experimental comecou a fazer-se nos anos cinqueenta com a poesia concreta de Gomringer, com Heissenbuettel e outros que se reuniam em torno do esteta da informacao Max Bense, em Suttgart. Maiores protestos contra o espi­rito burgues em li­ngua e literatura fizeram o Grupo de Viena (1953 a 1964), embora so publicassem em 1967 o volume coletivo Wiener Gruppe (Grupo de Viena). Nos anos cinqueenta terminara a euforia do milagre economico alemao. Os jovens dos anos sessenta nao mais acreditavam nos contos de seus pais. Surgiu o conflito das geracoes. Datam da­ os movimentos de protesto estudantil. E seus jovens intelectuais seguiram primordialmente dois caminhos: a reacao poli­tica ou o jogo com a linguagem. O Grupo de Viena mudou-se geograficamente para Graz e principalmente os jovens faziam, com acento na nova linguagem criada, oposicao a estreiteza provinciana. So na segunda metade dos anos sessenta, Ernst Jandl e Peter Handke conseguiram interessar um grupo mais amplo para a literatura experimental. Como representante dessa literatura, Handke aparece como autor dos Sprechstueche (pecas-da-fala), com as quais, na trilha de Brecht, Friedrich Duerrenmatt e Peter Weiss, pretende superar o teatro burgues, tornando conscientes suas formas de representacao e recepcao. Desde seus primeiros sucessos literarios, Handke comecou a viver da profissao de escritor. Seus inicios sao de cri­tica, critica da linguagem e cri­tica do conhecimento: esquemas previos, modelos, instituicoes sao propositalmente exemplificados e destruidos, numa intencao consciente de desmacarar sistemas assentes. Em Os Vespoes, Handke, que em Princeton, em 1966, num encontro do Grupo 47, escandalizara os presentes, com seus cabelos longos e em jeans, predizendo a morte da estoria ou a impotencia da descricao, realmente resiste a narracao de uma fabula com princi­pio, meio e fim. Os Vespoes e um romance interiorizado, sem acao, no qual o que um dia foi lido e o que foi percebido pelos sentidos superpoem-se e em que personagens sao trocados por outros, ja que Handke nao cre   nessa obra  na individuacao. Trata-se de um romance cuja fonte so desvenda-se proximo ao final, um romance que poderia ser lido pelo avesso, do fim para o princi­pio, se de romance se espera-se um encadeamento logico-cronologico. Parece assim dever-se questionar o subti­tulo de um estudo que fiz sobre ele, Um romance literal. Esse subti­tulo explica-se, entretanto, quando lemos que o motor de toda a trama, dramatica e tragica, foi a leitura de um outro romance, introjetado e incorporado as vidas dos personagens. Um romance sobre um romance, literatura como fonte de vida. O discurso em percurso vai e vem, em variantes que se superpoem, relativizam-se e contradizem-se, o que aproxima a obra do nouveau roman frances. Sua linguagem acompanha ou conduz pari passu o estado psi­quico desmontado do personagem central, ate chegar a quase desintegracao. E um discurso que se move e abala-se, que se desarticula mas nao se desestrutura por completo, que se lanca a guerra, mas volta ileso do combate. E nesse particular, sua vitoria e antes uma derrota, a de nao deixar acontecer a revolucao ameacadora e fatal. Tal discurso picado (Os Vespoes...) pela literariedade, desenvolvendo motivos tematicos e formais, difuso em seus tantos sujeitos da narracao, avancando e recuando sobre si mesmo, e o resultado de trabalho atento. E como trabalho produtor de energia, o discurso vai produzindo-se de sua propria forca geradora. Importa-lhe narrar-se a si proprio, seus caminhos e descaminhos, o percurso que a literariedade propoe-lhe percorrer. E que ele percorre indo e vindo do plano referencial ao literario, ora acentuando seu carater de transparencia icinica, ora demorando sobre seu carater opaco de si­mbolo. Este ano, Handke publicou Uma viagem hibernal aos rios Danubio, Save, Moravia e Drina ou Justica para a Servia, subdividido em quatro capitulos: antes da viagem, primeira parte da viagem, segunda parte da viagem e epi­logo, num desenvolvimento estritamente cronologico e num registro intencionalmente intelectualizado. Intelectual e o registro adequado para a discussao de Handke sobre se os servios ditos agressores no caso ex-iugoslavo, vistos pela mi­dia que reflete os fatos apenas em parte e alem disso parcialmente, seriam em verdade os reais agressores ou se as causas primeiras da guerra acabariam passando a outras maos ou ao menos sendo relativizadas. Discussao consequeente e cuidadosa, com argumentos e por vezes ratificada em numeros. Mas que entretanto nao escapa de ser tambem ela reflexo de um vies pessoal. Em suas consideracoes, Handke fundamenta-se em escritores e filosofos, fazendo um tema poli­tico, a primeira vista localizado, interagir com a literatura e o pensamento universais. E impreca veementemente, acusando o veneno das palavras, em formulacoes inflamadas, por vezes grosseiras e insultosas, contra reporteres, jornalistas ou a voz editorial de jornais e revistas, alguns de ampla circulacao como o Frankfurter Allgemeine e o New York Times ou a Time, a Nouvel Observateur e a Spiegel, que tomam posicao extremada contra a Servia, parcializando e simplificando fatos bem mais complexos. Distinguindo fatos de fatos-aparentes, Handke exige uma pesquisa mais profunda para desvendar a razao motora, por exemplo, de massacres e tragedias ate entao inexplicaveis. O romance dividiu a cri­tica, mas ratifica a afirmacao de Handke de que cada obra de um autor deve ser outra, senao trata-se ja de um mero maneirismo. Celeste Ai­da Galeao e professora aposentada da UFBA e conselheira da Iniciativa Cultural Austro-Brasileira.
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Pesar as palavras GASPARde Peter Handke
Armazem do Ferro

PARA mim, Gaspar e um anjo, diz Lucia Sigalho sobre a personagem de Peter Handke inspirada no caso do menino selvagem Kaspar Hauser, que, quando foi encontrado na floresta, nao sabia falar nem entendia o que lhe diziam. Sendo o tema do seu Gaspar, agora levado a cena pela companhia de teatro Sensurround, a perda da inocencia devido a aquisicao da linguagem (Kaspar nao tinha nomes para dar as coisas, pelo que nao as aprisionava), o que para o escritor austr­iaco comecara por ser uma interrogacao sobre o uso da palavra (da literatura) como delimitacao do imaginario humano, tratando-se de um texto teatral a questao que se levanta e: o que pode a palavra ao ser colocada em palco, o que representa ela, que mundos inventa? Gaspar e uma peca sobre o poder que as palavras tem ou nao tem. Talvez sobre a violentacao da palavra. E um texto terri­vel e lindo sobre como as palavras ja nao fazem sentido. Ha algo nele de muito arcaico, de muito profundo e duro ate, diz a encenadora e actriz.
O que o texto de Handke poe em causa e o proprio teatro falado, visto embora de dentro. A palavra cria um universo ao qual pouco pode escapar, e assim e, tambem, o teatro. Apesar disso, uma brecha comeca a abrir-se e a deixar entrar o que ficou de fora. Comenta Lucia Sigalho: Acho que vivemos num tempo em que as palavras continuam intactas, mas e como se assim nao fosse. As pessoas ficam surdas as palavras. Esta peca e sobre o mundo em que vivemos, mas tem qualquer coisa do outro que lhe foi anterior, de um mundo perdido em que o ser humano se integrava como qualquer animal ou qualquer arvore.Talvez por isso, esta peca nao tenha historia: O Handke avisa-o logo no prefacio. O publico deve ficar com a ideia de que esta a assistir a uma representacao. As situacoes tem um encadeamento temporal, mas cada pessoa acaba por construir a sua propria trama. Da­ que haja desdobramentos da personagem Gaspar, com vozes gravadas e imagens vi­deo conjugadas com a accao em palco. Vejo o Gaspar como uma criatura de outra natureza. Por isso parece-me natural que ele apareca sem ser em carne e osso, justifica. A dramaturgia do texto e tudo menos ortodoxa, nao estando contextualizada na obra do seu autor. O espectaculo e a resposta, apenas, a ligacao especial que tem com a peca de Handke, sendo de salientar que e a segunda vez que Sigalho pega num texto que nao e da sua propria autoria (a primeira foi Cena do Odio, de Almada Negreiros):  Quando enceno uma peca feita por outra pessoa parece que ha uma luta, e eu sinto que nao tenho hipoteses.  Alias, no inicio esteve para nao aceitar as indicacoes de Handke relativas ao espaco cenico, mas acabou por se render:  O Handke manda pr muitas coisas em cena, uma bola, muletas, pregos, pedras, fosforos, caixas, lencos, embrulhos, uma moldura, tres cadeiras, uma mesa, uma lima de carpinteiro, talheres, rebucados, uma cadeira de baloico, uma cortina e um sofa. Uma complicacao, mas cumpri.  O palco e apenas ocupado por Lucia Sigalho, acompanhada por imagens video projectadas; ao contrario do que poderia parecer, as novas tecnologias e o multimedia nao lhe interessam particularmente.  Gosto mais das velhas mecanicas do teatro afirma, peremptoria, traduzindo por palavras o que faz sem elas. Em cena ate 15 de Abril. MARIO ROCHA


Sexta-feira, 24 de novembro de 2000

Silencio , um espetaculo extraordinario

A peca de Peter Handke, adaptada pela diretora Beth Lopes, e teatro experimental que nao pode deixar de ser visto. Apenas na terca e quarta-feira no Teatro Faap

Silencio, de Peter Handke, em cartaz por apenas mais dois dias em Sao Paulo (podera ser visto na terca e na quarta-feira, por cerca de 30 espectadores em cada noite, acomodados no palco do Teatro Faap), e um trabalho experimental de extraordinaria qualidade. Originalmente um monologo de Peter Handke, a peca foi adaptado por Beth Lopes, diretora. Em cena, dois personagens sem nome, ele e ela, enfrentam-se em uma luta de conceitos e visoes de mundo. O espetaculo de Beth Lopes propoe uma aventura. O publico e conduzido ate uma porta lateral do Teatro Faap e tem acesso ao palco por uma rampa de servico. Ali dentro, a plateia e acomodada nos dois lados de uma longa mesa de metal, onde se concentra a acao. A trama de Silencio dispensa historia. Handke, dramaturgo alemao, autor de O Pupilo Quer Ser Tutor, coloca em cena uma figura que se afirma permanentemente. No ini­cio, enumera uma serie de conquistas, de realizacoes: Eu falei, eu me expressei. E, aos poucos, as afirmacoes positivas se tornam sombrias constatacoes de que o protagonista alimenta odios, preconceitos, raivas. Em pouco mais de uma hora, tendo por unica base a palavra, Handke leva o espectador a refazer todo o percurso da cultura ocidental, desde as descobertas e inventos ate sua degradacao. A montagem de Beth Lopes, ao transformar o monologo em um texto para dois personagens, aprofundou e ampliou as possibilidades do conflito e desenhou uma montagem eletrizante. A visao filosofica do dramaturgo, sob a direcao segura, inteligente de Lopes, ganhou uma dimensao inesperada. E tem em Yedda Chaves e Matteo Bonfitto (tambem tradutor da obra) dois interpretes a altura dos desafios que a peca apresenta. Vivenciado pelos interpretes, o choque de ideias exposto em Silencio ganha inesperada intensidade. Exposicao teorica de conceitos adquire, o texto adquire a urgencia e a forca das explosoes humanas. Erotismo, violencia, competitividade, tudo eclode no palco do Teatro Faap revestido de furia, aspereza e muito humor. Silencio e uma das melhores montagens de 2000, um trabalho que nao pode deixar de ser visto. Alberto Guzik
TEATRO
A Hora em que Nao Sabi­amos Nada Uns dos Outros, de Peter Handke, com encenacao de Jose Wallenstein, em colaboracao com o Teatro So, de 1 a 25 de Fevereiro, no Teatro Nacional S. Joao. O texto do dramaturgo contemporaneo austri­aco e apenas uma longa descricao cenica; as personagens nao falam. E nesse ambiente taciturno que Handke consegue retratar o modo como os homens vivem e se organizam. Um espectaculo com uma forte carga poetica e, no entanto, profundamente ligado a realidade, que questiona a natureza e os limites do fenomeno teatral.Teatro Nacional S. JoaoPraca da Batalha4000 PortoTelf. 222086634 / 222086635 Teatro Nacional S. Joao
Peter Handke nasceu em Griffen, na Austria, em 1942, e e um dos escritores contemporaneos mais conceituados desde Samuel Becket. Estudou, ate 1959, num seminario catolico, tendo entrado depois no curso de direito na Universidade de Graz. Atraiu pela primeira vez a atencao da opiniao publica quando, em 1966, foi protagonista de um forti­ssimo ataque a literatura contemporanea alema durante um seminario na Universidade de Princeton (EUA). Nesse mesmo ano publicou o seu primeiro romance, The Hornets, e o seu primeiro sucesso, Offending the Audience. Escreveu, em conjunto com Wim Wenders, o guiao de As asas do desejo (1988).
Jose Wallenstein nasceu em Lisboa em 1959. Tem o curso de Formacao de Actores da Escola Superior de Teatro e Cinema, tendo trabalhado com os encenadores Luis Miguel Cintra, Ricardo Pais, Nuno Carinhas, Carlos Avilez, Miguel Guilherme, Carlos Fernando, Gastao Cruz, Jorge Listopad, Fernanda Lapa, Jorge Lavelli, Brigitte Jacques, Filipe La Feria, Orlando Neves, Castro Guedes, Alberto Lopes e Rui Mendes. Na area do audiovisual, participou em diversos filmes e series de televisao, para produtoras nacionais e estrangeiras. Tem trabalhado regularmente no Porto, onde dirigiu cursos de interpretacao e apresentou varios espectaculos. Em 1999, dirigiu e adaptou A Metamorfose, de Kafka, produzido pelo grupo Visoes Uteis e apresentado no Auditorio Nacional Carlos Alberto. Dirigiu ainda a Opera Edipo-Tragedia do Saber, de Antonio Pinho Vargas e Pedro Paixao, apresentada no Teatro Nacional de Sao Joao. Ja em 2000 encenou, traduziu e adaptou Dialogo em Re Maior, novela do espanhol Javier Tomeo, apresentado no BalleTeatro Auditorio com producao do grupo As Boas Raparigas. E, desde Setembro de 2000, director do Teatro Nacional S. Joao do Porto.
TEATRO
MUSICA
ARTES PLASTICAS
ENVOLV. POPULACAO
CIRCO VOLTAR


Alberto Guzik - Jornal da Tarde - 25.06.2000

A temporada teatral de 2.000 mal esta chegando ao meio, mas ja tem um espetaculo que tera de ser incluido em todas as listagens de melhores do ano. Silencio e o nome da montagem, dirigida por Beth Lopes a partir de um texto de Peter Handke. O autor austriaco, o mesmo de =O Pupilo Quer Ser Tutor=, criou em =Silencio= (Auto-Acusacao) um poema dramatico, um monologo em que as raizes do ser, suas vontades, afirmacoes, desejos e realizacoes sao postos a nu, dissecados por um entrelacamento formidavel de verbos. A palavra e a escavadeira que Handke usa para atingir o amago do ser. E seu emprego de palavras e espantosamente preciso.

=Silencio= tem inicio por uma serie de afirmacoes, de atitudes positivas, para enveredar pouco a pouco para o aspecto sombrio do processo da vida. As realizacoes, as conquistas, as culminancias atingidas caminham passo a passo com os instintos destruidores, a perversidade latente, a possibilidade da irrupcao subita do animal que ha em cada um.

Beth Lopes e seus atores, Yedda Chaves e Matteo Bonfitto (responsavel tambem pela traducao da obra de Handke, em parceria com Alexandre Krug) transformaram =Silencio= em um dialogo, ou melhor, em um duelo entre um homem (Bonfitto) e uma mulher (Chaves) que se enfrentam em uma arena ritual na qual as palavras escapam dos livros para chegar as paredes.

Nao ha trama, no sentido comum da palavra, nao ha fabula. Handke nao conta historias, escapa da linearidade, leva o publico para o mundo da reflexao, da constatacao. No entanto, o espetaculo de Beth Lopes jamais deixa o terreno do real, ao qual se ancora com ferocidade. O embate dos atores, os dois otimos, por sinal, transforma-se na cena em uma luta pela sobrevivencia, pela preservacao de muros de personalidade que a condicao humana solapa na mesma proporcao da obsessao que o animal tem de erigi-los.

=Silencio= e um espetaculo obrigatorio que amplia a percepcao do espectador sobre si mesmo. Nao pretende ser um trabalho stanislavskiano ou brechtiano. Mas e as duas coisas ao mesmo tempo. Pois, a maneira de Stanislavski, leva os interpretes para um mergulho profundo na psicologia desse personagem sem nome, que e o homem contemporaneo. E, seguindo os canones de Brecht, a montagem coloca-se distante do objeto examinado para elaborar sobre ele uma analise critica de notavel acuidade. Quem acredita que filosofia nao e assunto passivel de ser levado ao palco, e porque nao viu =Silencio=.

Texto: Peter Handke com direcao de Beth Lopes.

Com Matteo Bonfitto e Yedda Chaves

Teatro FAAP - Rua Alagoas, 903 - (0XX11) 3662-1992 - Sao Paulo, SP - e-









Sexta-feira, 25 de outubro de 2002

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Teses_Monologos
SEUS CUZOES -- 31/08/2001 - 20:43 (Jose Pedro Antunes)
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=Eu nao tenho condicoes nem vontade de dizer o que quer que seja sobre mim ou, mesmo, sobre meu futuro, e, por meio deste, pela ultima vez vos conclamo a tomar conhecimento deste fato, seus cuzoes.=

[=Ich bin nicht in der Lage noch willens irgendetwas ueber mich oder gar meine Zukunft zu sagen, und ich fordere euch hiermit zum letzten Mal auf, diese Tatsache zur Kenntniss zu nehmen, ihr Arschloecher.=]

Entre nos, Peter Handke e mais conhecido como parceiro cinematografico de Wim Wenders: =O medo do goleiro diante do penalti= [Die Angst des Tormanns beim Elfmeter], =Movimento Errado= [Falsche Bewegung] e =Asas do Desejo= [Der Himmel ueber Berlin].

Pouca gente sabe que o proprio Handke filmou duas de suas narrativas: =A mulher canhota= [Die linkshaendige Frau] e =A ausencia= [Die Abwesenheit].

De Handke, eu traduzi para a Editora Brasiliense, no auge do boom translaticio (1986/87): =O medo do goleiro diante do penalti= e =Bem-Aventurada Infelicidade= [Wunschloses Unglueck], as duas narrativas enfeixadas num so volume.

E preciso dizer que, para nos, Handke foi trazido sem respeito a cronologia de sua obra, com os titulos sendo lancados a esmo, e sem qualquer parametro critico. Apenas mais um pos-moderno, poderia dizer um resenhista apressado.

So nao podiam faltar, nas edicoes brasileiras dos autores alemaes traduzidos, referencias ao nazismo, aos horrores da guerra, ao holocausto e etc. Se possivel, uma suastica na capa.

Os escritores de orelhas e contracapas, quase nunca sabem o que fazem. Por pouco, a contracapa de =O medo do goleiro diante do penalti= nao me sai com um Handke alemao e lutando ferozmente contra o nazismo e os horrores da guerra. Consegui, a tempo, alertar o escritor de contracapa (ele inclusive alardeava ter larga experiencia nesse quesito): Handke e austriaco e nunca fez do nazismo ou dos horrores da guerra o seu assunto. Apenas acusava os autores do pos-guerra, os pais da patria, os campeoes da causa alema - e isso lhes rendeu dois Nobel - de combaterem o nazismo, os horrores da guerra e etc. com a mesma linguagem que os havia produzido.

Handke foi menino prodigio. Suas pecas-faladas foram exitos incontestaveis. Sua importancia para a geracao de 68 esta longe de poder ser devidamente equacionada.

Entre nos, pouca gente sabe que Handke foi um dos maiores nomes do teatro alemao do ultimo quartel do seculo XX.

=Insulto ao Publico= [Publikumsbeschimpfung] ficou cinco anos em cartaz num teatro em Frankfurt. Handke proibiu sua encenacao, por considerar que o efeito da peca estava superado. E talvez para evitar o pior, sua agatachristiezacao. So voltou a libera-la nos anos 90.

Vi =Insulto ao Publico=, na encenacao de um grupo amador de Porto Alegre, em 1973. Foi no Teatro Sao Pedro, em Sao Paulo, com o apoio do Instituto Goethe. Eu nao sabia quem era Handke. E o Brasil ja passava a receber um escandalo europeu daqueles anos revolucionarios, sem saber que ele era isso. Considerem que uma peca como essa ter chegado tao rapidamente ao pais, e um feito que fala em favor de seu autor.

Vi =Insulto ao Publico= mais duas vezes, na Berlim pos-queda-do-muro, em 1993, nas encenacoes, diametralmente opostas, de um grupo alemao e de um outro, polones.

No Brasil, um artigo comemorativo dos trinta anos de Handke, publicado na internet por Celeste Aida Galeao (tese sobre =Die Hornissen=, USP, inicio dos anos 70), ignora as minhas traducoes de =O medo do goleiro diante do penalti= e de =Bem-Aventurada Infelicidade=. A autora ficou livre de ter de levar em conta a minha releitura de Handke, para o Brasil, no posfacio que, a muito custo, consegui incluir na edicao da Brasiliense: =O mundo e velho, nao e verdade, Sr. Loser?=

Quinze anos depois, e esse o texto mais completo e critico ja escrito sobre Peter Handke. A ele, enquanto eu me preparo para novas e necessarias investidas.

Sobre =O medo do goleiro diante do penalti=, sobre esse titulo que ja era o titulo do filme que o Instituto Goethe fazia circular pelos bolsoes cult da nossa intelectualidade, alguns gostariam que ele fosse diferente. Gostaria de brinda-los com um excesso: =A paura do guarda-metas no instante em que se vai bater o tiro de onze jardas=.

Handke ficou sendo, para nos, um autor de narrativas meio esquisitas. Nos, os tradutores, poderiamos ser culpabilizados por isso, em varios sentidos. Uma vez, na Brasiliense, alguem lamentava ser Handke ilegivel para brasileiros. Alguem sugeriu ser demasiado Europa Central para o nosso paladar tropicaliente. Quem sabe ainda me refaca, em futuro proximo, do arrevezamento estilistico que me foi atribuido, na epoca do lancamento. E com razao. Mas apenas em parte. Ainda volto ao tema.

Pouca gente sabe que Handke escreveu poemas em prosa, contos curtos, ensaios que ainda continuam atuais. Que contribui com a radiodifusao austriaca, antes de se tornar a celebridade Peter Handke. Que peitou o Grupo 47, que, optando pelo realismo, relatou os horrores da guerra e ajudou a prolongar os =horrores do pos-guerra=, para usar a expressao feliz de Hubert Fichte. A instituicao literaria gostou. A Academia Sueca nao se fez de rogada. Heinrich Boell foi laureado em 1972. Guenther Grass, em 1999.

So em 1993, estando em Berlim, pude compreender a razao pela qual, subitamente, tanto Wenders como Handke passaram a ser malvistos, personas non gratas para a inteligencia brasileira. Haviam pecado contra a midia internacional a servico da globalizacao. Haviam desafiado, mais uma vez, o stablishment. Tudo como nos velhos tempos. Ou, se quiserem, como no velho oeste. A midia divide o mundo em bandidos e mocinhos. A nova intelectualidade francesa saliva fartamente. E a periferia engole e balanca o rabico. Ter denunciado, durante a Guerra da Bosnia, a =demonizacao dos servios=, pode ter custado a Peter Handke a perda da propria paciencia. O menino prodigio dos anos 60, que nao perdoava a burrice da esquerda universitaria, fez por nao merecer o lugar que lhe caberia na historia da literatura alema do pos-guerra e das guerras localizadas que passaram a proliferar pelo mundo. A frase que encabeca este artigo e Handke em seu estado mais caracteristico: indignacao pura.

Enquanto isso, um bando de cuzoes continua a fazer sermoes pios contra os horrores da guerra, contra o nazismo e contra o genocidio, e a dormir (serenos?) sobre todos os horrores que pairam sobre uma cultura administrada em seus minimos escaninhos.

E preciso rever, com urgencia, a historia da literatura alema, senhores germanistas pelo mundo afora. Urge reler Peter Handke, para nao nos esquecermos de que a indignacao e hoje artigo em falta, e tera de ser reconquistada.

Em =Insulto ao Publico=, Handke dava o seu grito de liberdade, propondo, aos fanaticos por conteudos, a consciencia aguda e revolucionaria de que a linguagem e sobretudo jogo, que nao se deve ficar boiando a esmo, a superficie das palavras e das frases. Handke propoe um mergulho em profundidade. Contra a crenca no realismo da representacao, usava a imagem do passaro que bica uma natureza-morta. Em =Insulto ao Publico=, quatro atores conversam longamente com o publico sobre tudo o que diz respeito a instituicao do teatro, declarando ser a plateia o acontecimento da noite: =Voces sao impagaveis.= Nessa conversa com o publico, perpassam todas as grandes teorias do teatro. Isso toma dois tercos do texto, quando uma frase introduz a sessao de xingamento: =Mas, antes disso, voces serao insultados. Porque insultar e tambem uma maneira de nos comunicarmos.=

Como diz Celeste Aida Galeao, em seu desinformado artigo na internet, Handke e o autor do pos-guerra que mais traducoes mereceu no Brasil. Mas, com ela e como ela, o publico brasileiro ficou sem saber quem e mesmo esse tal de Peter Handke.

Handke continua atual. Um dia sera preciso dizer isso com bastante firmeza. Por enquanto, os adeptos do realismo ainda podem prosseguir em seu sono de mais de um seculo. Mas a realidade jamais os perdoara por terem-na reduzido a um unico modelo de interpretacao: o modelo realista.

Qualquer semelhanca com o =pensamento unico= destes nossos tempos globalizantes, nao e, nunca foi apenas uma coincidencia. Quiseram que assim fosse. Ate quando?

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PARA mim, Gaspar e um anjo, diz
GASPAR de Peter Handke

Armazem do Ferro
Lucia Sigalho sobre a personagem de Peter Handke inspirada no caso do menino selvagem Kaspar Hauser, que, quando foi encontrado na floresta, nao sabia falar nem entendia o que lhe diziam. Sendo o tema do seu Gaspar, agora levado a cena pela companhia de teatro Sensurround, a perda da inocencia devido a aquisicao da linguagem (Kaspar nao tinha nomes para dar as coisas, pelo que nao as aprisionava), o que para o escritor austriaco comecara por ser uma interrogacao sobre o uso da palavra (da literatura) como delimitacao do imaginario humano, tratando- se de um texto teatral a questao que se levanta e: o que pode a palavra ao ser colocada em palco, o que representa ela, que mundos inventa? Gaspar e uma peca sobre o poder que as palavras tem ou nao tem. Talvez sobre a violentacao da palavra. E um texto terrivel e lindo sobre como as palavras ja nao fazem sentido. Ha algo nele de muito arcaico, de muito profundo e duro ate, diz a encenadora e actriz.


Um cenario todo branco para Lucia Sigalho interpretar Gaspar, de Peter Handke


O que o texto de Handke poe em
causa e o proprio teatro falado, visto embora de dentro. A palavra cria um universo ao qual pouco pode escapar, e assim e, tambem, o teatro. Apesar disso, uma brecha comeca a abrir-se e a deixar entrar o que ficou de fora. Comenta Lucia Sigalho: Acho que vivemos num tempo em que as palavras continuam intactas, mas e como se assim nao fosse. As pessoas ficam surdas as palavras. Esta peca e sobre o mundo em que vivemos, mas tem qualquer coisa do outro que lhe foi anterior, de um mundo perdido em que o ser humano se integrava como qualquer animal ou qualquer arvore. Talvez por isso, esta peca nao tenha historia: O Handke avisa-o logo no prefacio. O publico deve ficar com a ideia de que esta a assistir a uma representacao. As situacoes tem um encadeamento temporal, mas cada pessoa acaba por construir a sua propria trama. Dai que haja desdobramentos da personagem Gaspar, com vozes gravadas e imagens video conjugadas com a accao em palco. Vejo o Gaspar como uma criatura de outra natureza. Por isso parece-me natural que ele apareca sem ser em carne e os, justifica.

A dramaturgia do texto e tudo menos ortodoxa, nao estando contextualizada na obra do seu autor. O espectaculo e a resposta, apenas, a ligacao especial que tem com a peca de Handke, sendo de salientar que e a segunda vez que Sigalho pega num texto que nao e da sua propria autoria (a primeira foi Cena do Odio, de Almada Negreiros): Quando enceno uma peca feita por outra pessoa parece que ha uma luta, e eu sinto que nao tenho hipoteses. Alias, no inicio esteve para nao aceitar as indicacoes de Handke relativas ao espaco cenico, mas acabou por se render: O Handke manda por muitas coisas em cena, uma bola, muletas, pregos, pedras, fosforos, caixas, lencos, embrulhos, uma moldura, tres cadeiras, uma mesa, uma lima de carpinteiro, talheres, rebucados, uma cadeira de baloico, uma cortina e um sofa. Uma complicacao, mas cumpri.

O palco e apenas ocupado por Lucia Sigalho, acompanhada por imagens video projectadas; ao contrario do que poderia parecer, as novas tecnologias e o multimedia nao lhe interessam particularmente. Gosto mais das velhas mecanicas do teatro, afirma, peremptoria, traduzindo por palavras o que faz sem elas. Em cena ate 15 de Abril.


 

Suplementos Editorial Portal do Assinante Caderno2 Cidades Economia Esportes Geral Internacional Nacional Sexta-feira, 25 de outubro de 2002 O exercicio radical de fazer teatro sem usar as palavras Peca de Peter Handke, que entra em cartaz, constroi-se com imagens de 300 personagens Divulgacao Cena ao ar livre: personagens mudos nas mais variadas atitudes MARICI SALOMAO Especial para o Estado Numa entrevista de 1969, o dramaturgo, novelista e roteirista austriaco Peter Handke disse que seu teatro se diferenciava do praticado ate entao, porque procurava tornar a plateia =conscia do mundo teatral e nao do mundo exterior ao teatro=. A metalinguagem serviu de sustentacao as suas ideias, que podem ser conferidas na montagem de A Hora em Que nao Sabiamos nada Uns dos Outros, peca de 1994 e inedita no Brasil. Com o apoio do Instituto Goethe, que cedeu o espaco e intermediou a obtencao dos direitos autorais para a Cia. Elevador de Teatro Panoramico, a peca - ja montada em Portugal, na Alemanha e Argentina -, entra em cartaz no jardim interno do Instituto Goethe. A direcao e de Marcelo Lazzaratto (Loucura e o infanto-juvenil A Ilha Desconhecida). Considerado por varios criticos como o mais importante dramaturgo universal depois de Beckett, Handke ficou mais conhecido no Brasil como roteirista, parceiro do diretor alemao de cinema Wim Wenders. Mas e certamente no teatro que esse autor exerce ate o paroxismo seu fascinio pela linguagem como base da realidade - =apontar para o mundo recorrendo as palavras= -, numa aproximacao direta ao pensamento do filosofo Ludwig Wittgenstein. Pecas como Insulto ao Publico (1966) e Silencio (Auto-Acusacao, fim dos anos 60) sao experimentacoes da linguagem falada. Nelas reside um apelo ao fim da ilusao e da empatia do espectador frente ao espetaculo teatral em prol de uma reflexao critica sobre a linguagem. A Hora e uma peca sem palavras, so de imagens. Trata-se de um primeiro e radical exercicio de antitese as suas pecas transbordantemente faladas. =Handke se desafiou mais uma vez, abriu mao do que mais dominava, as palavras, para testar sua capacidade de teatralidade=, diz o diretor Marcelo Lazzaratto. =Nessa peca ha uma busca pela existencia, nao pela representacao=, resume. Lazzaratto optou por inserir uma unica parte falada - o discurso de uma mulher no meio da praca -, em que se valeu de um trecho de Insulto ao Publico. Uma praca e tres centenas de personagens desfilam nas mais variadas atitudes. Sao seres mitologicos e contemporaneos, tipicos e arquetipicos, palhacos e profissionais liberais, estadistas e ladr es, beldades, velhos, criancas. Nada se sabe sobre eles; ao espectador apenas e dada a chance de conhecer o instante em que cada um atravessa a praca, que se mantem a mesma enquanto as epocas e as estacoes variam. Handke fala sobre esse texto que partiu de um proverbio do oraculo de Dodona (de Zeus), da cultura grega pre-homerica: =O que viu, nao revele; permaneca na imagem.= Essa insercao no estado de pre-fabulacao do ser humano, na instancia em que o campo da visao antecede o campo do enredar, do intelecto, foi o maior desafio criativo para o numeroso elenco do Elevador de Teatro Panoramico (15 atores), que veste cerca de 400 figurinos, num total de 300 personagens (uma media espantosa de 25 personagens para cada ator). A Hora em Que nao Sabiamos nada Uns dos Outros. De Peter Handke. Direcao Marcelo Lazzaratto. Duracao: 90 minutos. Espetaculo sem falas e ao ar livre. Sextas, as 22 horas; sabados, as 21 horas; domingos, as 19 horas. R$ 10,00. Instituto Goethe. Rua Lisboa, 974, tel. 3088-4288. Ate 1./12. Hoje, somente para convidados anterior =Dez= e 11, numeros do grande cinema proxima Quatro pecas ineditas em solo de Francarlos Reis



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